sexta-feira, 11 de abril de 2014

DICA: COMO ESCREVER OS FATOS E FUNDAMENTOS DE UMA PEÇA PROCESSUAL NO EXAME DE ORDEM

Por Cláudia Ribeiro Pereira Nunes

Os índices dos erros no Exame de Ordem são altos. Isso é um fato. E, por isso, muitos acreditam que o Exame é injusto.Contudo, a alegação de injustiça não é argumento passível de se tornar sólido para ser utilizado em uma discussão com a Banca Examinadora. Isso porque o termo ‘injustiça’ tem conceito relativo e pode ser interpretado por diferentes ângulos: sob o ponto de vista da banca e dos candidatos, o fato é que a discussão se perpetuará e todos estarão apenas fazendo um belo treino de argumentação.Então, ao invés de se filiar a esse grupo que tem gosto pela argumentação, que tal passar de primeira nessa prova, aprendendo a pensar e a falar com organização e concatenação? São estas características que dão qualidade a redação das questões e da peça processual.Para colaborar com os estudos dos candidatos que querem passar de primeira, neste artigo apresento dicas de como o candidato poderá escrever os fatos e os fundamentos com organização e concatenação, independentemente do texto apresentado na questão da peça prático-profissional, apenas utilizando um exercício de lógica, que inspirará nos seus interlocutores credibilidade no que escreve ou fala!
Podemos começar?
1ª Questão – Peça prático-profissional:
Os dois filhos de José Carlos Santanna estão passando fome. Em desespero e sabendo que o pai das crianças é porteiro e está empregado, procura você para que proponha a medida judicial cabível. A mãe Maria Silva é empregada de uma empresa pequena e recebe um salário mínimo por mês. – Esse texto foi retirado da primeira questão de uma prova e reduzido para efeitos didáticos.
Se lermos sem muita atenção, alegaremos que faltam dados ao problema. Contudo se pensarmos com calma, refletiremos a respeito do que está explicado no problema e veremos que nada está faltando, uma vez que temos todos os dados necessários para escrever os fatos e os fundamentos da peça processual cabível.
Passamos ao exercício de lógica ou vamos fazer a ordenação concatenada dos fatos que se apresentam na 1ª Questão da peça prático-profissional – ESTE EXERCÍCIO DE LÓGICA PODERÁ SER FEITO NO RASCUNHO DA SUA PROVA:
1º os filhos nascem em uma determinada data da relação entre José Carlos Santanna e Maria Silva;
2º os filhos não têm condições de arcarem com o próprio sustento, logo, são menores ou maiores estudantes, pois a lei não admite a pensão de alimentos para quem não necessita; e mais, ao indicar que os filhos estão passando fome é porque o examinador quer que o candidato peça, liminarmente, tais alimentos para evitar que os alimentandos venham a falecer de fome;
3º a mãe não pode arcar, absolutamente sozinha com o sustento dos filhos independentemente da condição financeira que possua, pois os alimentos são um dos atributos do pátrio poder;
4º o pai é corresponsável pelo sustento dos filhos e precisa pagar os alimentos na proporção de suas possibilidades e, se houver tal disponibilidade, enquanto persistir a necessidade desses.
Então independentemente do texto que o examinador estabelece como premissa da questão, é o candidato que precisa ter na ideia a visão da causa e do efeito e encadear uma na outra para o texto ser admitido na correção como um texto de qualidade por estar lógico, ordenado e concatenado.
Então, após indicar os fatos ordenadamente no rascunho, conseguiremos indicar a peça que mais se adéqua ou corresponde ao caso. No caso em análise, é a Medida Cautelar de Alimentos Provisionais com pedido liminar ou Alimentos Provisionais com pedido liminar ou Alimentos Provisionais. Observe que a peça escolhida, mesmo tendo vários nomes jurídicos – nomen iuris –, é a única que pode ser aplicada ao caso sob análise, porque o interesse jurídico que deve ser protegido é o fato de que os filhos não conseguem gerar receita própria para se sustentarem, necessitando, com isso, urgentemente dos alimentos do pai.
Então, já que escolhemos a peça certa e escrevemos o endereçamento e o preâmbulo – parte mais singela da prova prático profissional –, vamos escrever os parágrafos dos fatos:
“Os filhos nasceram nas datas ….. e ….. da relação de seus pais: a ora Representante dos Autores e o Réu nesta peça processual (ou na presente ação), conforme certidões de nascimento, documentos anexos.
Hoje em dia (ou nesta data), os filhos estão na companhia da mãe – representante dos Autores – e com … anos de idade apenas estudam. Os menores não estão conseguindo se sustentar e necessitam receber os alimentos do pai, ora Réu.
A representante dos Autores sempre contribuiu para o bem estar dos filhos, na forma do possível, com os rendimentos que possui com o seu trabalho ou com a sua atividade laboral em uma pequena empresa (documento em anexo).”
Neste ponto, como já escrevemos os fatos organizadamente, ficará mais fácil escrever os fundamentos mínimos relativos à questão em análise, em alguns parágrafos.
Quais são os passos para escrevermos os fundamentos de uma peça processual?
1° Temos que esclarecer no texto do primeiro parágrafo o porquê escolhemos a Ação de Alimentos como a peça cabível no caso em análise. Estaremos, assim, justificando a nossa escolha ou sinalizando quais os motivos levou o candidato a definir a peça.
2º Após, temos que indicar o(s) artigo(s), fundamento(s) ou dispositivo(s) legal(is) que fundamenta(m) juridicamente o pedido que vamos elaborar. Este parágrafo deve iniciar-se com jargão jurídico como: CONFORME, DE ACORDO, COM FULCRO, COM BASE, DADO AO FUNDAMENTO LEGAL, etc.  Em seguida, colocamos o número do dispositivo legal: art …, da CRFB/88 e do CC ou CPC e explicamos a sua aplicabilidade. Agora, podemos escrever com as palavras do artigo ou com as nossas palavras e mesmo assim fazermos a análise da hipótese que queremos defender.
3º Por fim, é obrigatório elaborar uma conclusão para o texto dos fundamentos, pois estamos escrevendo uma dissertação e toda dissertação contém: (i) introdução; (ii)  desenvolvimento; e (iii) conclusão.
Então, sem questionar o texto escrito pelo examinador, tem-se que é o candidato que precisa ter a visão da causa e do efeito bem como precisa encadear uma na outra, buscar os artigos competentes à peça prático-profissional para o candidato obter a pontuação máxima.
Então, vamos escrever os parágrafos dos fundamentos:
“O interesse jurídico protegido no caso em análise é o fato de que os Autores não conseguem gerar receita para o sustento, necessitando, assim, urgentemente que o Réu preste os alimentos. Como não houve consenso, a presente ação é a única medida a ser proposta para os Autores terem os seus pleitos atendidos”.
A Lei nº 5478/68, em seu artigo 2º, embasa a pretensão dos Autores:
Artigo 2º- O credor, pessoalmente, ou por intermédio de advogado, dirigir-se-á ao juiz competente, qualificando-se, e exporá suas necessidades, provando, apenas o parentesco ou a obrigação de alimentar do devedor, indicando seu nome e sobrenome, residência ou local de trabalho, profissão e naturalidade, quanto ganha aproximadamente ou os recursos de que dispõe.
Com base no artigo 400, do Código Civil Brasileiro, a obrigação de alimentar estabelece parâmetro nas necessidades dos autores ou Requerentes, a saber:
Artigo 400 – Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do Reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
Da mesma forma, o fato do Requerido não participar com a manutenção necessária dos Autores ou Requerentes, comete o crime de abandono material previsto no artigo 244 do Código Penal, verbis:
Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo.
Restando provado a presença do binômio: (i) disponibilidade de recursos do alimentador, ora Réu; e (ii) necessidade dos alimentandos, ora Autores, é urgente a fixação dos alimentos provisórios no valor de 1 (um) salário mínimo, com base no disposto no art. 4º da Lei 5478 de 25 de julho de 1978, que deverá ser depositado em C/C a ser aberta em nome da Representante legal dos Requerentes por estarem presentes os requisitos do pedido liminar ou por estarem presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora.”
Fica ainda mais rica a peça que contiver parágrafos relacionados aos efeitos da pretensão dos alimentos requerida pela mãe na qualidade de representante legal dos filhos, antes de iniciar o primeiro parágrafo dos fundamentos – justificativa para a propositura da Peça Processual, o candidato pode escrever:
“A representante dos Autores ou a genitora dos Requerentes é legitimada a requerer o direito dos alimentandos, na qualidade de representante legal, na forma do art. 3º do Código Civil”.
Agora que você sabe que só depende de você fazer o seu próprio treinamento pessoal de raciocínio para o Exame de Ordem.
Sugiro um exercício de lógica que poderá ser realizado a todo o momento em sua vida. Isso contribuirá muito com a maneira de pensar sobre como resolver qualquer problema que venha a enfrentar.
Preste atenção a esse exemplo do cotidiano de qualquer estudante!
O seu pai pede a você:
- Pague esta conta. O cheque está em cima da mesa.
Se você pode fazer isso para o seu pai, mas não está com vontade de perder o dinheiro da passagem de ônibus que terá que usar na tarefa, você tem duas possibilidades: a primeira é ter um argumento lógico que resolve a situação; a segunda é se considerar um injustiçado e ficar batendo boca com o seu pai.
Vamos trabalhar o raciocínio lógico para fazer isso e demonstrarmos uma atitude madura, para receber a credibilidade de quem convivemos e sempre nos avalia, que são os nossos pais.
O exercício é o seguinte:
Para cumprir a tarefa, preciso pensar na causa e no efeito. Então, faço as seguintes perguntas a mim mesma, para treinar o raciocínio concatenado e lógico. Analisarei se o pedido do meu pai é razoável ou não:
Se preciso pagar a conta hoje e trabalho em horário útil do dia e depois do expediente tenho que estar na faculdade, qual é o horário de funcionamento do Banco? Onde o Banco se localiza?
Agora que já sei que esta conta só pode ser paga de tal hora a tal hora no endereço tal – penso no melhor horário e faço a mim outra pergunta: Se eu trabalho cerca de 5 km do Banco e só tenho 1h de almoço para resolver isso, irei ao Banco de que forma: a pé ou de ônibus?
Preciso ir de ônibus, mas agora eu tenho um problema ou hipótese a ser analisada:
O meu vale transporte só tem o valor exato da passagem para os dias trabalhados no mês e a minha carteira só tem dinheiro suficiente para eu gastar na night com os meus amigos no fim de semana.
Então, reponderei ao meu pai, com toda convicção porque, como as ideias estão organizadas e concatenadas, percebi que o pedido que me fez não é razoável, pois  importará em efeitos patrimoniais que reduziram o valor do dinheiro que possuo na minha carteira e isso eu não posso admitir.
Então, se o argumento está amadurecido, posso falar com calma:
- Pai, desejo colaborar com o pagamento das contas da casa, mas não tenho como pagar mais uma passagem de ônibus que precisarei para executar a tarefa que me pediu. O cartão de transporte que recebo no trabalho possui crédito limitado e como já estamos no meio do mês estou quase sem dinheiro na carteira. O que tenho só dá para as minhas despesas pessoais sem precisar lhe pedir mais dinheiro no fim do mês. Você pode me dar o dinheiro da passagem para eu faça o pagamento da conta?
Os argumentos apresentado com lógica, no sistema causa e efeito são sólidos e robustos. Garanto que ele lhe dará o dinheiro da passagem sem regatear.
Agora, se eu quero discutir inutilmente com o meu pai, eu não pratico esse exercício de lógica que trabalha o meu cérebro para a organização e a concatenação, que me permite enxergar que para toda causa tem um efeito e isso também ocorre  no meu dia a dia e me limito ao argumento comum sem lógica que sempre serve pra iniciar brigas e uma série de gritos dentro de casa: “Tudo nesta casa é comigo.” ou “Eu sou um escravo nesta casa.”
Este é um típico argumento sem consistência, pois não houve o treino do raciocínio a questão que se apresenta. O filho fez uma mera alegação de injustiça e a injustiça como já dissemos é um conceito relativo. Cada um pensa a injustiça por um ângulo diferente e de acordo com as suas experiências anteriores.
Então que tal entrar de vez para o mundo dos adultos e aprender a pensar, falar com credibilidade e passar de primeira no Exame de Ordem? Só depende de você querer fazer o seu próprio treinamento pessoal de raciocínio e argumentos a todo o momento em sua vida. Faça esse treinamento de raciocínio lógico por si mesmo e verá tudo mudar em sua vida!
*Advogada, Doutora em Direito, Coordenadora do Núcleo de Pesquisas em Direito da FAAR – Faculdades Associadas de Ariquemes. Palestrante Convidada do Clube do Petróleo, do LLM do Ibmec Business School e do MBA da UBM-COPEP. Trabalha como consultora em universidades privadas com públicos heterogêneos no Projeto “Saberes da Docência nos Núcleos de Prática Jurídica”.
Para citar este artigo (NBR 6023:2002 ABNT):

NUNES, Claudia Ribeiro Pereira.    Dica: como escrever os fatos e fundamentos de uma peça processual no Exame de Ordem. Revista Mural. Rio de Janeiro: Mídia Jurídica, ano 10, n. 96, p. 13.

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