sexta-feira, 11 de abril de 2014

Advocacia e Modernidade

Por Aurélio Wander Bastos

Os cursos de direito foram criados no Brasil em 1827, no dia 11 de agosto, quando, imediatamente, foram instaladas as academias de Olinda, posteriormente transferida para Recife (1852), e a Academia de São Paulo, que, historicamente, ficou conhecida como a Faculdade do Largo de São Francisco. Curiosamente, estas escolas foram instaladas em antigos conventos, sendo que em Olinda muitos foram os clérigos que se destacaram no ensino do Direito, muito fortalecendo o direito eclesiástico como disciplina curricular e, interessantemente, em São Paulo, independentemente da participação de magistrados como Professores, também ali estiveram militares da guarda imperial e os Andradas da independência, sendo que, nesta escola, privilegiou-se o ensino do Direito Romano e do Direito Civil.
As academias de Direito foram essencialmente criadas com a preocupação de formar uma elite política no Brasil independente de Portugal, evitando a influência da Academia de Direito de Coimbra na formação dos quadros jurídicos que viriam a ocupar os poucos cargos de direção do Estado, tanto no Poder Legislativo, como no Poder Executivo e, principalmente, no Poder Judiciário. Por outro lado, apesar da embrionária sociedade civil brasileira e do modesto crescimento econômico, as academias brasileiras estavam preocupadas em formar advogados que pudessem exercer com mais eficiência do que os antigos rábulas, que, aliás, sobreviveram até os anos finais da Primeira República com o objetivo de atender às demandas privadas e proteger o Estado e a sociedade das ações criminais, ainda em grande volume, o que deu origem às escolas de Direito Penal no Brasil.
Neste sentido, dando prosseguimento ao projeto originário da for mação jurídica, as nossas escolas de direito tradicionalmente, evoluíram na linha de formação de quadros para o exercício da magistratura, para ocupação de cargos políticos, ou mesmo jurídicos dentro do Estado, inclusive nas áreas de relações internacionais e a formação de bacharéis para o exercício privado da profissão. Outro não foi o destino das faculdades livres do Rio de Janeiro que contribuíram para a criação, em 1920, da Universidade do Brasil onde a Faculdade Nacional de Direito procurou melhor desenvolver o Direito Constitucional e o Direito Penal.
Neste contexto, o fenômeno mais interessante da antiga advocacia brasileira foi o bacharelismo, um fenômeno que mesmo com as tantas restrições que foram impostas ao livre e cumulado exercício das profissões jurídicas, onde o advogado trabalhava no estado e privadamente, prolongando-se mesmo até os tempos modernos, onde as restrições são altíssimas, podendo-se verificar a partir daí o crescimento volumoso de bacharéis proporcionalmente superior à quantidade de magistrados e advogados militantes. Neste quadro, não havia uma ordenação eficiente para prestação dos serviços jurídicos, muitas vezes dependendo o advogado para exercer a profissão da autorização do Poder Judiciário, assim como acontecia com o rábula, deixando a advocacia de prestar um serviço transformativo da sociedade e remanescendo numa posição passiva e acomodada.
A criação da Ordem dos Advogados Brasileiros, posteriormente denominada, do Brasil – OAB, em 1930, contribuiu para reverter este quadro, com sucessiva edição de seus Estatutos, definindo-se padrões disciplinares para o exercício da profissão, dispondo sobre os impedimentos e as incompatibilidades para o exercício da advocacia, resguardando-se, todavia, as prerrogativas de direitos do advogado. Este conjunto de providências estatutárias definiu o universo ético dos direitos dos advogados, assim como as suas prerrogativas e a sua estrutura corporativa de organização, principalmente na evolução do tempo em nível federal, seccional e subseccional.
Neste sentido, ficaram como atividades privativas da advocacia a postulação em qualquer órgão do Poder Judiciário, mas, recentemente, inclusive, nos juizados especiais, assim como, o exercício de atividades de consultoria, assessoria e direção jurídica. A diversidade postulante reconhecida pelos estatutos da categoria não impediu, todavia, que o advogado viesse a interessar-se, modernamente, pelas tantas atividades jurídicas que evoluíram com a complexidade do Estado democrático moderno: a Magistratura, o Ministério Público, a Advocacia de Estado, a Defensoria Pública, todas estas atividades que se identificam como carreiras de Estado, exercidas em qualquer dos níveis federativos, demonstrando a importância do advogado para a União, para os Estados, para os Municípios e para as entidades autárquicas e fundações.
Este amplíssimo leque de oportunidades para o advogado, dentre tantas outras que são próprias do Estado, principalmente do Poder Judiciário, após a promulgação da Constituição de 1988, cresceram vertiginosamente, demonstrando a imprescindibilidade do advogado no exercício de funções privadas de grande expressão social, destinadas a garantir não apenas os interesses empresariais, onde os advogados podem estar também como empregados, mas também na defesa dos direitos de cidadania, cada vez mais amplos e importantes. Paralelamente, assim, na medida em que emergiram, além dos direitos civis tradicionais, com grande força reivindicatória, os novos direitos remarcaram a vida jurídica contemporânea: o direito ambiental, os direitos de dimensão cibernética, os direitos reprodutivos, os direitos personalíssimos (inclusive de natureza existencial), os direitos difusos e coletivos e todos aqueles que crescem numa nova e típica dimensão consequente dos processos de desenvolvimento tecnológico e da globalização econômica e social, muito embora se possa questionar a dinâmica evolutiva do direito processual e a própria estrutura burocrática do Judiciário.
Finalmente, de qualquer forma, essa nova e moderna dimensão do exercício da advocacia tem exigido dos poderes públicos, sucessivas modificações nas estruturas curriculares da educação jurídica, por um lado, preparando o advogado para uma visão aberta e pluralista do estado de direito, ampliando seus compromissos com a defesa dos indivíduos e dos grupos sociais perante o Poder Judiciário, e por outro, com seu engajamento no processo democrático de desenvolvimento.
Para citar este artigo (NBR 6023:2002 ABNT):

BASTOS, Aurélio Wander.  Advocacia e modernidade. Revista Mural. Rio de Janeiro: Mídia Jurídica, ano 09, n. 93, pp. 4 e 5.

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