terça-feira, 25 de março de 2014

PF deleta dados de investigação e STJ anula provas da ação penal

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou provas produzidas em interceptações telefônicas e telemáticas (e-mails) realizadas na operação Negócio da China.
Seguindo o voto da relatora, ministra Assusete Magalhães, os ministros consideraram que a conservação das provas é obrigação do estado e sua perda impede o exercício da ampla defesa.
A operação foi deflagrada em 2008, para investigar suspeitas de contrabando, sonegação de impostos e lavagem de dinheiro pelo Grupo Casa & Vídeo. Foram denunciadas 14 pessoas, entre elas, os pacientes do habeas corpus analisado pela Sexta Turma.
Os ministros concederam o habeas corpus para anular as provas produzidas nas interceptações telemáticas e telefônicas. Determinaram ao juízo de primeiro grau que as retirasse integralmente do processo e que examinasse a existência de prova ilícita por derivação. Tudo deverá ser excluído da ação penal em trâmite.
Alegações
A defesa de dois dos envolvidos alegou nulidade das provas produzidas a partir das interceptações telemáticas, ante a inviolabilidade do sigilo das comunicações telegráficas e de dados, prevista no artigo XII, da Constituição Federal.
Sustentou que não teria sido demonstrada a indispensabilidade da medida de quebra de sigilo telefônico e telemático e que o único elemento de prova anterior a essa providência eram notícias jornalísticas e documentos societários das empresas supostamente envolvidas.
Mas o principal argumento foi a falta de acesso dos investigados às provas, devido ao desaparecimento do material obtido por meio da interceptação telemática e de parte dos áudios telefônicos interceptados. Segundo a defesa, os dados foram apagados pela PF, sem que os advogados, o Ministério Público ou o Judiciário os conhecessem ou exercessem qualquer controle ou fiscalização sobre eles.
A defesa apontou a inobservância do procedimento de incidente de inutilização de provas previsto no artigo parágrafo único, da Lei 9.296/96. Segundo ela, a eliminação dos dados só foi descoberta após insistentes pedidos à Justiça de acesso integral ao material interceptado.
Interceptação telemática
A ministra Assusete Magalhães destacou que a intimidade e a privacidade das pessoas não são direitos absolutos.
Havendo indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal punida com pena de reclusão e a impossibilidade de produção de provas por outros meios, a jurisprudência admite a interceptação de comunicação não só por telefone, como também a telemática, que se refere à transmissão de dados.
Não existindo pronunciamento definitivo do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, o STJ tem admitido a interceptação do fluxo das comunicações telemáticas, frisou a ministra.
Inquérito
O inquérito policial foi instaurado em maio de 2006, por requisição do Ministério Público, a partir de reportagem publicada pela revista Exame, intitulada O Misterioso Sucesso da Casa e Vídeo.
Antes da decretação da quebra do sigilo telefônico, foram requisitados documentos na Junta Comercial do Rio de Janeiro e em cartório de registro de imóveis. Seguiu-se um minucioso relatório de inteligência policial. Somente em 2008 foi solicitada e deferida a quebra de sigilo, em decisão devidamente fundamentada, segundo analisou a relatora.
Para a ministra, está demonstrado no processo que a prova cabal do envolvimento dos investigados na suposta trama criminosa não poderia ser obtida por outros meios que não a interceptação de comunicações.
Preservação das provas
Apesar de considerar legal a quebra dos sigilos telefônico e telemático, a ministra Assusete Magalhães considerou ilegal a destruição do material obtido a partir das interceptações.
Os impetrantes do habeas corpus contestaram a ausência, no DVD entregue à defesa, da integralidade do áudio das escutas e do conteúdo dos e-mails interceptados, mencionados nos relatórios e na representação policial.
O próprio STJ havia assegurado a alguns dos réus o acesso integral aos autos do inquérito. No entanto, parte das provas obtidas a partir da interceptação telemática foi apagada, ainda na Polícia Federal, e o conteúdo dos áudios telefônicos não foi disponibilizado da forma como captado, havendo descontinuidade nas conversas e na sua ordem.
Dados perdidos
A PF informou à Justiça que, ao contrário do que ocorre com a interceptação telefônica realizada por meio do programa Guardião, ela não dispõe de equipamentos ou programas voltados à interceptação de e-mails. Por tal motivo, essas informações seriam disponibilizadas e armazenadas diretamente pelos provedores de internet no caso, a Embratel.
A Embratel, por sua vez, informou que, para cumprir a ordem judicial de interceptação de e-mails, encaminhou à PF diretamente as contas-espelho criadas para a operação, de forma que fossem visualizados pelos policiais. Informou também que não foram mantidas cópias das mensagens, uma vez que a determinação judicial era apenas para desviar qualquer tráfego de dados telemáticos para um e-mail determinado pela autoridade policial.
Assim, esclareceu a PF, o conteúdo monitorado na interceptação telemática obtida através da Embratel foi irremediavelmente perdido, pois o computador utilizado durante a investigação precisou ser formatado.
Como se viu, o material obtido por meio da interceptação telemática, vinculado ao provedor Embratel, foi extraviado, ainda na Polícia Federal, impossibilitando, tanto à defesa quanto à acusação, o acesso ao seu conteúdo, afirmou a ministra Assusete Magalhães.
Devido processo legal
Citando o princípio do devido processo legal, a ministra disse que as provas produzidas em interceptações não podem servir apenas aos interesses do órgão acusador e que é imprescindível a preservação de sua integralidade, sem a qual fica inviabilizado o exercício da ampla defesa.
Quanto às interceptações telefônicas, a relatora destacou que a jurisprudência do STJ considera desnecessária a transcrição integral do material interceptado. Contudo, é imprescindível que, pelo menos em meio digital, a prova seja fornecida à parte em sua integralidade, com todos os áudios do período, sem possibilidade de qualquer seleção de trechos pelos policiais executores da medida.

Postagem no Facebook é admitida como prova

Uma cozinheira do município de Ourizona, no norte do Paraná, conseguiu que uma prova retirada do Facebook seja considerada válida para incluir mais uma empresa no polo passivo da ação trabalhista movida contra a ex-patroa. A cozinheira trabalhou na lanchonete e restaurante Equilibrium por um ano e meio, sem ter a carteira de trabalho corretamente assinada. Entrou com ação pedindo horas extras, férias e danos morais.
Na audiência de instrução, realizada em abril de 2010 na 1ª Vara do Trabalho de Maringá, chegou-se a um acordo no valor de R$10 mil que não foi cumprido, dando início à fase de execução do débito trabalhista.
Ao descobrir que a ex-patroa era gerente da loja de materiais de construção do marido, a cozinheira pediu que esta empresa também fosse incluída no polo passivo solicitação negada pelo juiz.
Ao analisarem o caso, os desembargadores da Seção Especializada* do TRT-PR decidiram por unanimidade incluir no processo a loja Vida Nova Materiais de Construção. A relatora do acórdão, desembargadora Eneida Cornel, afirmou que a prova utilizada foi lícita, visto que a própria dona do restaurante colocou no site a informação de que era também gerente da empresa do marido.
A admissão de elementos de prova não previstos expressamente no ordenamento jurídico, segundo a magistrada, é tema que ganhou especial importância com a utilização de dados extraídos da internet. Para fundamentar sua decisão, a relatora citou o artigo 332 do Código de Processo Civil, segundo o qual "todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.
A apresentação de documento que evidencia o comportamento da parte fora do processo, extraído de sítio de relacionamento na internet aberto ao público, está de acordo com o princípio da atipicidade e integra o direito à prova, na medida em que o objeto é lícito e a obtenção regular, afirmou a desembargadora.