quarta-feira, 1 de julho de 2015

Ilegalidades em contratos de financiamento: a tarifa de liquidação antecipada e o abatimento proporcional dos juros



As relações entre consumidores e bancos desde muito tempo são conflituosas, devido, em grande parte, à conduta ilegal que muitas vezes permeia a atuação das instituições bancárias, que muitas vezes não chegam a respeitar nem mesmo os pronunciamentos e resoluções do Banco Central do Brasil.

Diversas tarifas já tiveram sua ilegalidade proclamada pelos Tribunais Superiores, mas tais decisões ainda são completamente desconhecidas dos consumidores de maneira geral.

De maneira diversa do que se pensa, as ilegalidades não atingem apenas os consumidores de contratos mais simples, de valores menores e com menor acesso à informação, mas toda e qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize financiamento. São comuns os casos de irregularidades em contratos de financiamento com hospitais, clínicas, concessionárias, franquias, dentre outros tipos de empresas.

Escolhemos para tratar aqui de dois problemas recorrentes e comumente muito onerosos ao consumidor: o direito ao abatimento proporcional dos juros e a ilegal cobrança de tarifa de liquidação antecipada.

O abatimento proporcional dos juros

A respeito do abatimento proporcional dos juros, o Código de Proteçâo e Defesa do Consumidor é expresso no sentido de que quem contrata financiamento de qualquer natureza tem o direito de, querendo, pagá-lo antecipadamente, com o abatimento dos juros em relação às parcelas antecipadas.

Exemplo:

Contrata-se o financiamento de um veículo no valor de R$ 40.000,00. O valor é integralmente financiado, resultando em um custo final de R$ 60.000,00, a serem pagos em 60 parcelas de R$ 1.000,00.

A partir da parcela 34, o consumidor resolve liquidar o financiamento, pagando, de uma só vez, a parcela 34 e todas as demais parcelas pendentes.

O valor das parcelas 35 a 60 deve diminuir proporcionalmente em relação aos juros contratados, sendo que não será lícito cobrar em relação a elas o valor de R$ 1.000,00. A parcela 35 terá um abatimento de valor menor do que a parcela 36, que por sua vez terá abatimento menor em relação à 37, assim em sequência até que a parcela 60 terá o maior abatimento de todas.

Na prática, o que acontece é que as instituições financeiras muitas vezes se recusam a dar esse desconto ou, se o fazem, não o realizam de acordo com as normas do Banco Central do Brasil, realizando cobrança indevida perante o consumidor.

O abatimento proporcional dos juros é um direito não apenas pela expressa e nítida previsão legal, mas também porque o fundamento da cobrança de juros é o risco de não se receber o valor do empréstimo, além do tempo de cessão de capital a terceiro.

Ora, se ocorre a liquidação antecipada, anula-se o risco do não pagamento, ao mesmo tempo em que deixa de existir a cessão de capital a outrem, retornando o dinheiro integralmente a quem o emprestou.

Com isso, devem os consumidores, pessoas físicas ou jurídicas, estas últimas por meio de seus administradores, gestores e diretores, buscar saber as vantagens da liquidação antecipada e exigir, ainda que pela via judicial, seu direito à liquidação antecipada de financiamentos com o abatimento proporcional dos juros.

A tarifa de liquidação antecipada

Além do que acima foi exposto, existe outro verdadeiro absurdo cometido por instituições financeiras: trata-se da "tarifa de liquidação antecipada".

Ela é cobrada também quando o consumidor deseja liquidar antecipadamente o contrato de financiamento.

Se o Código de Defesa e Proteção do Consumidor é no sentido de que não devem ser cobrados encargos maiores (juros) a título de liquidação antecipada, menos ainda devem ser cobradas tarifas, ou quaisquer valores sob quaisquer denominações, que tornem mais onerosa essa liquidação antecipada, que, como dissemos, é um direito do consumidor.

Além de ser um verdadeiro contrassenso, coibido expressamente pela Legislação Consumerista, isso desrespeita também as normas do Banco Central do Brasil.

Durante um curto período, entre os anos de 2006 e 2007, o Banco Central do Brasil permitiu a cobrança de tal tarifa, em flagrante ilegalidade. Ainda no ano de 2007, o bom senso prevaleceu e foi editada norma proibindo expressamente a cobrança desta tarifa, tendo sido reforçada por normas posteriores, deixando claro que não há vaga no direito brasileiro para a "tarifa de liquidação antecipada", ainda que os bancos insistam em cobrá-la.

Mais do que isso, em alguns casos vemos contratos de financiamento com redações que abusam da falta de conhecimento técnico dos consumidores para constrangê-los a não buscarem seus direitos em face dessas cláusulas ilegais.

Por isso é que, mais uma vez, os consumidores, pessoas físicas ou jurídicas, precisam estar atentos para reivindicar o cumprimento da lei e satisfação dos seus direitos.

O Judiciário é atento ao tema e, depois de inúmeros precedentes esparsos, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) formou jurisprudência, no início do mês de abril de 2014, em procedimento de relatoria da Min. Nancy Andrighi, definindo que esta tarifa é de cobrança indevida perante qualquer pessoa, devendo as instituições bancárias se absterem de realizar esse tipo de cobrança.

Da devolução em dobro dos valores cobrados indevidamente

Aos consumidores vítimas de cobrança indevida, que quitaram antecipadamente financiamento sem o abatimento proporcional dos juros ou pagaram a tarifa de liquidação antecipada, ainda existe forma de fazer justiça.

O Código de Defesa e Proteção do Consumidor afirma expressamente que quem for cobrado indevidamente tem direito à restituição em dobro deste valor. Então se a cobrança indevida for de R$ 100,00, o consumidor receberá R$ 200,00. Se for de R$ 10.000,00, receberá R$ 20.000,00, e assim por diante.

O Código Civil sinaliza neste mesmo sentido, não havendo dúvidas de que a legislação está apta a punir seus infratores, assim como os Tribunais estão atentos para coibir a atuação lesiva das instituições bancárias. Foi também assim que definiu o STJ no mencionado precedente.

Danos morais

Sem prejuízo do informado acima, é possível ainda se pleitear a condenação da instituição financeira em danos morais.

De fato, essa matéria é pacífica para consumidores pessoa física. Para as pessoas jurídicas, em que pese a grande disputa doutrinária, existem diversos precedentes no sentido de que é cabível a indenização em danos morais, especialmente porque, neste caso, pode ser pleiteada a modalidade que o Direito Americano chama depunitive damage, que consiste, mais do que se obter uma indenização ao ofendido, em aplicar uma reprimenda ao ofensor, desestimulando a sua conduta contrária ao Direito, de maneira análoga a uma multa de trânsito, por exemplo.

Considerando que o caso é justamente a proteção de modo geral ao direito dos consumidores e considerando a postura das instituições financeiras em total afronta a esses direitos, entendemos tratar-se de um caso clássico de aplicação da doutrina dopunitive damage, razão pela qual os consumidores lesados não estarão se aventurando ao propor ação visando obter também a condenação dos bancos em danos morais.

Bruno Barchi Muniz

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